quinta-feira, 21 de setembro de 2017

Não nos responsabilizamos pelas bicicletas sem cadeado



Olá, JusAmiguinhos! Outro dia eu estava precisando de material de expediente para o escritório e resolvi ir de bicicleta a um supermercado próximo da minha casa.

Chegando lá encontrei no bicicletário uma placa amarela bem grande na qual estava escrito “Não nos responsabilizamos pelas bicicletas sem cadeado”.

Enquanto eu lia a placa, chegou um homem e me disse que há alguns meses ele havia deixado uma bicicleta lá sem cadeado, a qual foi furtada e ele conseguiu que o supermercado o ressarcisse.

Eu concordei com ele, afirmando que, de fato, o disposto na placa era ilegal.

Enquanto eu explicava um senhor que também vinha de bicicleta se aproximou e perguntou: então pra que serve essa placa?

Depois de encerrada a conversa eu fui comprar o material, mas fiquei me questionando a respeito dessas questões jurídicas e resolvi escrever esse post.

Por que o supermercado é responsável pelos veículos deixados no estacionamento?

O supermercado é responsável por quaisquer veículos deixados no estacionamento, sejam eles automóveis, motocicletas ou bicicletas.

Isto porque ao deixar o veículo no estacionamento o cliente celebra com o supermercado o chamado contrato de depósito, conforme estabelece o art. 627 do Código Civil:

Art. 627. Pelo contrato de depósito recebe o depositário um objeto móvel, para guardar, até que o depositante o reclame.

Por expressa disposição legal (art. 628 do Código Civil), o contrato de depósito se presume gratuito, salvo disposição em contrário.

Então a menos que haja placas ou avisos informando que o estacionamento é pago e indicando o preço, não poderá haver cobrança.

Dito isso, tem-se que esse contrato de depósito é um contrato de adesão (art. 54 do Código de Defesa do Consumidor), porque não é dado ao cliente sentar-se à mesa para discutir cláusulas com o supermercado, logo o supermercado previamente estabelece as condições do contrato e o cliente apenas adere ou não.

Em se tratando de contratos de adesão a lei proíbe que as cláusulas excluam direito que é inerente ao contrato (art. 424 do Código Civil).

Ora, guardar em segurança e preservar o bem que é objeto do depósito é exatamente o que caracteriza esse contrato.

Por isso afirmar que não se responsabiliza pelas bicicletas que estão sem cadeado é ilegal.

O mesmo ocorre em relação aos objetos deixados no interior dos veículos, como expliquei em outro post.

O supermercado não pode alegar a ausência de cadeado para se eximir da responsabilidade?

Como a relação jurídica entre o cliente e o supermercado é uma relação de consumo, a única forma de o supermercado se eximir da responsabilidade seria demonstrar culpa exclusiva de terceiro (art. 14, §3º, II, do Código de Defesa do Consumidor).  

Ao alegar que a responsabilidade foi do terceiro que furtou a bicicleta e do cliente que a deixou sem cadeado, na prática o supermercado está invocando a ausência de nexo de causalidade pela existência de caso fortuito ou força maior.

Explicando: para que haja o dever de indenizar nas relações de consumo é necessário que haja três elementos: conduta, nexo de causalidade e prejuízo.

O prejuízo é o dano, no caso um dano material correspondente ao valor da bicicleta que foi perdida.

A conduta é uma ação ou omissão praticada pelo supermercado, que neste caso poderia ser a ausência de vigia, câmeras ou controle da circulação de pessoas.

O nexo de causalidade é a relação lógica entre a conduta e o prejuízo, demonstrando que a pessoa que se aciona na Justiça é a responsável pelo dano, ou seja, aquela conduta causou o dano.

Nesse caso, o supermercado quer fazer crer que não tem responsabilidade porque ocorreu fato imprevisível (caso fortuito) ou inevitável (força maior), o que afastaria o dever de indenizar (art. 393 do Código Civil).

Entretanto, os tribunais e os estudiosos do Direito fazem uma distinção entre o fortuito interno e o fortuito externo.

O fortuito interno é aquele que ocorre na elaboração do produto ou na execução do serviço e exatamente por isso está incluso no risco da atividade não afastando o dever de indenizar, enquanto o externo é alheio à elaboração do produto ou execução do serviço e por isso exclui a responsabilidade.

O furto nas dependências do estacionamento do supermercado é considerado fortuito interno e por isso enseja reparação, conforme estabelece a Súmula 130 do Superior Tribunal de Justiça:

Súmula 130 - A empresa responde, perante o cliente, pela reparação de dano ou furto de veículo ocorridos em seu estacionamento.

Então a ausência do cadeado não tem qualquer relevância?

Tem sim.

Veja, não se exclui a responsabilidade no caso em análise porque a legislação só permitiria essa exclusão em caso de culpa exclusiva de terceiro ou da vítima e como se observou, em se tratando de fortuito interno, essa culpa jamais será exclusiva, pois se insere no risco da atividade empresarial.

Contudo, no caso em que o cliente usando de imprudência ou negligência deixa a bicicleta sem cadeado tem-se a chamada culpa concorrente, na qual tanto o cliente quanto a vítima são corresponsáveis pelo prejuízo.

Como resultado, o juiz poderá reduzir proporcionalmente a indenização, nos termos do art. 945 do Código Civil, desde que reste comprovada a culpa do cliente.

Solução semelhante se daria no caso em que o cliente esquece o carro aberto, por exemplo.

Então, pra que serve a placa?

É evidente que é uma tentativa do supermercado de se furtar de seu dever de ressarcir os eventuais danos apelando para a falta de informação do cidadão comum.

Por isso JusAmiguinhos escrevi esse texto.

Nenhum comentário:

Postar um comentário