JusAmiguinhos, o nome União
Estável Putativa é sugestivo... mas, como diz o povo aqui do Maranhão, não
vamos levar pras costas.
Antes de falar sobre
União Estável Putativa temos que saber o que é União Estável.
Conceito
União Estável é convivência
pública, contínua e duradoura, estabelecida com o objetivo de constituição de
família.
Explicando
Se é pública é porque não
é escondida, o que exclui situações de clandestinidade em que as pessoas se
encontram às escondidas.
Contínua porque não há
interrupções significativas, o que exclui uma pulada de cerca eventual.
Duradoura porque deve se
estender no tempo, embora a lei não fixe quanto tempo, o que significa que o
juiz ao avaliar o caso concreto determinará se a união foi ou não duradoura a
ponto de configurar união estável.
E o objetivo de
constituir família tem a ver com o intuito de ter a vida em comum, de partilhar
interesses, de prestar assistência recíproca, enfim, tudo o que faz parte de
ser família.
É
possível ter mais de uma União Estável?
Embora no nosso país o
chifre já seja quase uma commodity cotada
para exportação, a resposta é negativa.
No Brasil, ainda vige a
monogamia como parâmetro legal, ou seja, você só pode estar casado ou vivendo
em união estável com uma pessoa de cada vez.
Isso também vale para a união
homoafetiva.
Assim sendo, casos como o
do Cadinho da novela Avenida Brasil, ainda que relativamente comuns são ilegais
e inconstitucionais.
É o que demonstra a
Constituição em seu art. 226, §3º e é o que diz o Código Civil em seu art. 1.723,
§1º combinado com o art. 1.521, IV.
As uniões poliafetivas
não são, portanto, reconhecidas no Brasil.
Mas
e se o cara tem duas famílias ao mesmo tempo?
Quando o indivíduo mantém
duas famílias ao mesmo tempo, ocorre o que chamamos no Direito de famílias
paralelas.
Sinceramente, não sei
como tem gente que consegue dinheiro pra bancar duas famílias, visto que uma já
é caríssima, mas o certo é que elas existem e não são poucas.
Nesse caso, é preciso
entender que o tratamento dos filhos é um e o do companheiro é outro.
Tratamento
dos filhos quando há famílias paralelas
O art. 227, §6º, da Constituição
Federal proíbe quaisquer discriminações entre os filhos, não importando se eles
vieram de uma união estável, de um casamento ou de um caso extraconjugal.
Não há diferença entre
filhos e é muito triste saber que ainda hoje há quem ache que porque alguém foi
adotado ele é menos filho que os demais.
Independente dos laços
entre os pais os filhos são iguais em direitos.
Tratamento
do companheiro quando há família paralelas
O tratamento do
companheiro ou da companheira será diferente de acordo com um fator: conhecimento
da existência do primeiro vínculo.
Se não havia
conhecimento, ocorre a chamada União Estável Putativa e se havia conhecimento é
caso de concubinato.
Exemplificando...
José era casado com Joana
e passou 10 anos mantendo outra família na cidade vizinha.
Maria, a companheira,
acreditava piamente que José era solteiro e não tinha conhecimento da
existência de outra família, o que significa que ela, de boa-fé, julgava ser a única
mulher da vida de José.
Nesse caso, está
configurada a União Estável Putativa (a palavra putativa vem do latim putare que significa supor, pensar, imaginar).
Porém, se Maria tinha
pleno conhecimento do fato de que José já era casado inexiste boa-fé e,
portanto, é impossível a configuração da União Estável Putativa, sendo um caso
claro de concubinato.
O
que é concubinato?
O concubinato, conforme o
art. 1.727 do Código Civil, ocorre quando duas pessoas impedidas de casar
mantêm uma relação não eventual.
Vários são os que
legalmente estão impedidos de casar, dentre eles estão os que já são casados (art.
1.521, VI do Código Civil), como é o caso de José.
Mas
qual é a consequência de o relacionamento ser considerado União Estável Putativa
ou concubinato?
Na União Estável
Putativa, embora a pessoa esteja em uma relação ilegal, o Direito flexibiliza a
regra da monogamia em atenção à boa-fé da pessoa que foi enganada.
Na prática, ela terá os
direitos patrimoniais de companheira, incluindo meação (o direito à metade dos
bens), alimentos (se ela precisar de pensão) e herança, caso o companheiro
morra.
No concubinato, o direito
do concubino se restringe ao patrimônio que ele comprovadamente ajudou a
constituir.
Por exemplo, a casa que
Maria morava foi construída por contribuições financeiras dela e de José, logo
ela tem direito patrimonial sobre esse imóvel.
Entretanto, não terá
direito sobre o imóvel em que reside a outra família ou sobre quaisquer outros
bens que não consiga provar ter ajudado a constituir.
Mas,
o Tribunal de Justiça do Maranhão não decidiu recentemente dar direito de
herança a uma concubina?
Sim, e inclusive os três
desembargadores da 3ª Câmara que analisaram o caso foram unânimes.
Infelizmente, essa
unanimidade desrespeita a técnica jurídica e quem se deu ao trabalho de ler a
decisão certamente achou os argumentos risíveis.
O relator do caso afirma
que a lei é excludente e por si resolve reescrevê-la, fazendo inclusive uma
interpretação equivocada do que disse o filósofo Jacques Derrida.
Ele menciona a força dos
fatos e ignora a força da lei, pois decidiu contra o Código Civil sem nem ao
menos fingir fazer um controle de constitucionalidade (isso ocorre quando o
juiz entende que uma lei é contrária à Constituição e nesse caso ele nega sua
aplicabilidade).
Mas nem dava para fingir
fazer esse controle porque o texto constitucional é totalmente contrário à decisão
dos desembargadores, sendo necessário declarar inconstitucional uma norma do
texto original de 1988, o que é juridicamente impossível.
Ele fala da necessidade
de resguardar a família paralela usando como argumento os filhos, como se estes
não tivessem tratamento jurídico distinto do que se dá ao concubino.
Ele reconhece que sua
posição praticamente não tem respaldo jurídico (isto porque a jurisprudência e
a doutrina majoritária defendem o que está escrito na lei e na Constituição) e
ainda assim decide conforme seu pensar subjetivo.
Ele afirma
categoricamente que, se a lei lhes nega proteção, a Justiça não pode ficar
alheia aos seus clamores.
Com todo respeito, quem
tem que estar atento aos clamores populares é o Congresso Nacional e se alguém
deseja mudar a lei ou a Constituição deve fazê-lo pelas vias corretas,
lançando-se candidato e fazendo as devidas propostas legislativas.
Decidir de acordo com
anseios ou clamores populares é decidir pela Política e não pelo Direito, pois
Direito é uma questão de princípios, não de políticas, como afirmava Ronald
Dworkin.
Lugar de Política é no
Parlamento e não no Tribunal.
O Direito trata de juízos
deontológicos (é obrigatório, é proibido ou é permitido) e não de juízos
axiológicos (é bom, é ruim, é justo ou é injusto).
Um juiz não é pago para
dar decisões conforme seu achar ou pensar subjetivo, mas sim dizer o que é
obrigatório, proibido ou permitido de acordo com a lei posta.
Assim, mesmo que o juiz
ache ruim ou injusto o ordenamento jurídico não acolher uniões poliafetivas ou famílias
paralelas, ele não poderá dar uma decisão diferente daquilo que está legalmente
previsto.
O juiz exerce jurisdição,
ou seja, diz o Direito, o que pressupõe apontar o que ele é e não o que
gostaria que fosse.
Por mais que o juiz
enquanto cidadão entenda que a lei não está de acordo com a realidade prática
ou que tais normas precisam ser mudadas, ele não pode no traço da caneta simplesmente
desfazer o que foi estabelecido pelo legislador democraticamente eleito.
Por mais que todo texto
seja passível de interpretação há limites presentes no próprio texto para as
hipóteses interpretativas e não é aceitável, do ponto de vista técnico, fazer malabarismos
para tentar colocar na boca do legislador o que ele não disse.
Simplesmente dizer “onde
se lê isso leia-se aquilo” sem respeitar a técnica jurídica é um absurdo e
trata-se de verdadeiro achincalhamento do texto constitucional, travestido de
interpretação.
É inconcebível admitir
que se faça malabarismos interpretativos para proteger quem se comporta de modo
ilegal, afinal quem vive em múltiplas uniões está atingindo a família,
entendida como base do Estado pelo art. 226 da Constituição Federal.
Ainda que o MM juiz
entenda que essas uniões não são prejudiciais, como claramente coloca, a
discussão não é se uniões estáveis simultâneas são boas ou ruins (juízo
axiológico), mas se elas são permitidas ou não (juízo deontológico).
Se você se atém ao
raciocínio jurídico é bem fácil perceber a conclusão: a concubina não tem
direito à herança.
Considerações
Finais
Acho que exagerei na
extensão deste último tópico, mas é que me irrita estudar para caramba pra tentar
entender o Direito e aí vir alguém com uma argumentação pífia e esculhambar tudo.
Casamento, união estável
era pra deixar as pessoas felizes, mas nem sempre acontece e isso porque, como
diria mamãe, o povo gosta é de viver na patifaria.
Enfim, a minha dica é: case
no papel e seja fiel ao seu cônjuge. Apenas isso!
Até a próxima JusAmiguinhos.
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